terça-feira, março 21, 2006

Paciência

A voz sebosa resmungou do outro lado da linha, arranhando meu tímpano direito. Atendimento ao cliente, Vera Regina, boa tarde... Boa tarde, eu gostaria de adquirir o jogo do campeonato mineiro... De que cidade o senhor está ligando? Porto Alegre. E o que o senhor gostaria de adquirir? O jogo das semi-finais do campeonato mineiro... Um momento, por favor. Musiquinhas de sala de dentista e de elevador são até toleráveis, mas enfiem agulhas nos meus olhos antes de me forçarem a escutar cinco minutos dessa merda de tele-marketing. Senhor, esse jogo não está disponível para a cidade de Porto Alegre. Não está disponível? Joguei o corpo para trás na cadeira e olhei para o teto, esticando o braço esquerdo e clamando aos deuses. Mas por quê? Não está disponível, senhor. Você poderia averiguar para mim se existe alguma possibilidade de eu comprar esse jogo e assisti-lo no próximo domingo? Não existe, senhor, não está disponível. Não, moça, o que eu quero é que você leve esse meu pedido pra alguém que possa realmente dizer se é possível ou não... Mas já estou dizendo para o senhor, não está disponível. Por quê não está disponível? Porque a empresa não disponibilizou para os assinantes em Porto Alegre. E por quê? Os jogos estão sendo filmados e transmitidos em vários outros lugares, por quê não pra cá? Porque não estão disponíveis, senhor. Mas eu quero saber por quê não estão disponíveis! Deixa pra lá. Gostaria que você checasse isso pra mim a fundo e me desse uma resposta antes de domingo. Isso é impossível, senhor. Como assim, impossível? O sistema não funciona assim, senhor. Posso registrar aqui a sua reclamação, mas o senhor terá que retornar a ligação para saber mais informações no futuro. Meus lábios descreveram silenciosamente as palavras “puta que pariu”. Vocês não podem me ligar ou enviar um e-mail? Não, senhor. Mas eu recebo toda hora e-mails de propaganda da empresa, dizendo que eu tenho que comprar isso, comprar aquilo... Sim, senhor, esses e-mails são gerados automaticamente no sistema. Pois é, e eu gostaria de receber um e-mail com uma resposta em relação à minha reclamação. Não é a forma que o sistema funciona, senhor. Senti a veia estufar na testa. Aqui, vamos parar de colocar a culpa no sistema! Eu entendo de computadores, não é o sistema que controla a gente, nós que controlamos o sistema. Sim, senhor, mas a empresa tem milhões de clientes, não há como gerar e-mails personalizados... Se a empresa tem milhões de clientes, quer dizer que vocês estão é ganhando muito dinheiro! Vocês é que tem que se virar por aí! Eu pago mais de cem reais por mês pra na hora de uma reclamação escutar isso? Que vocês não vão me responder? Isso é que é valorização do cliente! Senhor, estou registrando sua reclamação, que será encaminhada ao departamento responsável. Então vocês vão me enviar uma resposta? Pode demorar até três meses para termos uma reposta, o senhor terá que ligar para se informar. Meu olho esquerdo começou a piscar incessantemente e minha mão apertava o braço da cadeira esgoelando um pescoço imaginário. Mas eu não quero ligar pra me informar! Eu quero que vocês entrem em contato comigo pra dizer se resolveram ou não o meu problema! E preciso disso antes de domingo! Senhor, isso não é possível. O jogo não está disponível. É, você já disse isso! Mas nem você sabe por quê ele não está disponível! O que eu queria, como cliente, e supostamente isso teria que significar alguma coisa, é que vocês dêem atenção ao meu pedido e tentem resolver o problema! E depois me liguem ou mandem um e-mail dizendo se puderam ou não resolver e as razões! Senhor, essa não é a política da empresa... A política da empresa é não dar a mínima pras reclamações e deixar o cliente insatisfeito? Não, senhor, nós... Então, por favor, tente resolver o meu problema em vez de me dizer alguma coisa sem ao menos saber o por quê! O que o senhor tem que entender é que o jogo não está disponível... Fechei os olhos e perguntei a Deus o que tinha feito pra merecer aquilo... Então eu não quero mais os seus serviços, quero cancelar. Só um momento, senhor, vou passá-lo para o atendimento especializado.

Como em finais de filmes infantis, tudo ficou bonito. Uma voz mais confortável e sedosa atendeu. Oferecia vantagens e descontos. Usava palavras inteligentes e argumentos convincentes. Soltava agradáveis risadinhas, como se me conhecesse desde a mais tenra idade. Suaves momentos depois, desligamos.

O jogo, não vi. Para os que perguntaram por quê não consegui comprá-lo, inventei uma complicada explicação envolvendo satélites e concessionárias de telecomunicações. A conta, milagrosamente, diminuiu um pouco. Mas cobraram duas vezes pela chamada.

Um comentário:

Taissa disse...

hehe

Sempre melhora falar que quer cancelar. É fogo.

Bjos