segunda-feira, abril 24, 2006

Eu gosto muito desse:

Narciso



Ser vaidoso;

Se olha;

Se cheira;

Se gosta.


Mal sabe que não passa,

de uma fábrica de bosta.


Luiz Augusto

12/04/2005

quarta-feira, abril 19, 2006

No Surprises

Sem Surpresas

Um coração que está cheio como um terreno baldio,
um emprego que te mata lentamente,
feridas que não curam
Você estava tão cansado, feliz,
derrube o governo,
eles não, eles não falam por ela
Eu ficarei com a vida tranqüila, um aperto de mão de monóxido de carbono

Sem alarmes e sem surpresas, sem alarmes e sem surpresas
sem alarmes e sem surpresas
Silencioso, Silencioso
Esse é a minha última convulsão, minha dor de barriga final
Sem alarmes e sem surpresas, sem alarmes e sem surpresas
sem alarmes e sem surpresas, por favor

Uma casa tão bonita, um jardim tão bonito
Sem alarmes e sem surpresas, sem alarmes e sem surpresas
sem alarmes e sem surpresas, por favor


Obs.: Letra traduzida da música "No Surprises" do CD "OK Computer" do Radiohead. Eu mesmo traduzi, deu na telha.

terça-feira, abril 11, 2006

O Sonho

Estava transando com a ex-mulher. A filha assistia pela fresta da porta com uma amiga, filha do patrão. O patrão morreu em oitenta e sete. Naquele ano conheceu uma loira numa parada de caminhoneiros, que batia um boquete fenomenal. O primeiro que recebeu foi aos dezesseis anos, atrás da macieira nos fundos do quintal do seu Leão, que espancava a mulher e levou uma facada na barriga, ninguém sabe de quem. Cortou o dedo com uma faca de cozinha aos doze anos e foi parar no hospital. Sua mãe ficou internada três meses antes de morrer em setenta e oito. Seu pai nunca mais foi o mesmo, levava prostitutas para casa. Todos diziam que a Kátia era puta, mas ele a achava a mulher mais bonita da cidade. A igreja foi reformada nos anos sessenta. O prefeito daquela época mudou pra uma mansão na cidade grande e virou governador. Foi à cidade grande só uma vez, pra não querer voltar. O irmão saiu de casa com vinte anos e nunca mais foi visto. Sentia muitas saudades dele, que jogava futebol. O Lúcio roubou a bola uma vez, encheram ele de porrada. A maior surra que tomou foi quando assoviou pra moça da farmácia. A senhora Milênia tomava remédios o dia todo, parecia uma bruxa. Foi reprovado no segundo grau pela vadia da professora de história. Sempre odiou o colégio, não deixavam nem fumar. Viu o vizinho engasgando de tosse uma vez. O seu Mastruz conseguia engolir um bife inteiro sem mastigar. Comeu um filé delicioso na lua de mel. Foi picado por uma abelha na fazenda. O gado ficou inquieto com um lobo. Pegou a égua mais rápida e foi caçar. Um dia pegou o filho comendo a égua. O garoto tirava leite como ninguém. O preço do leite caiu, vendeu a fazenda. Com dezoito, tropeçou num buraco no chão de casa e quebrou a perna. Estourou a mão de tanto bater no homem que estava na cama com sua mulher. Empurrou as meninas na porta do quarto. A filha ficou frígida e se suicidou aos vinte e sete. Virou porteiro de bordel.

sábado, abril 01, 2006

Despercebida, a vida passa.

Ao atravessar a avenida, ele se entristece. Parecia que, em um só golpe, o mundo fora arrancado de seu olhar, que se tornou frio. Chega ao outro lado e, no momento em que pisa no meio fio, o sinal de pedestres fica verde.

- Nem para isso tenho sorte... – Olhando também para o bilhete de loteria em suas mãos.

Dessa vez, aquela calçada parecia mais longa. Não conseguia ver onde terminava, sempre cabisbaixo. Pessoas passavam correndo na direção contrária.

Seus olhos gelados querem olhar para trás, mas resistem.

- Não quero saber... Já tenho problemas suficientes. – Tenta chutar a pequena pedra, mas erra. – Quem dera estivessem correndo atrás de mim...

Nem se lembrava mais da última vez que alguém o olhou nos olhos, segurou suas mãos, deu-lhe algum conforto...

Ninguém ouve o lamento silencioso que começa a brotar em sua garganta. Lágrimas escorrem pelo rosto, mas parecem nunca chegar ao chão.

- Vai passar, vai passar. Só tenho que caminhar um pouco e me distrair. – Decide virar à direita, naquela rua de pedras.

Ali, o mundo parecia outro. Havia silêncio, árvores e pequenas casas coloridas. Em frente à minúscula padaria, uma mulher passeava com seu cachorro.

- Isso, a vida também pode ser bela. – Dá um sorriso, ainda assombrado por agonia.

- Belo cão. – A madame sequer desvia o olhar perdido e o animal rosna.

O sentimento relaxado, que começava a nascer, morre.

- Não pertenço aqui. – Algo o puxava de volta pelo caminho que o levara.

- Vou me atrasar... Quantas horas? – Pergunta a um homem que passa apressado, sem responder.

De volta à avenida, escuta sirenes. No cruzamento, um acidente.

- O que aconteceu? – A mulher ao seu lado, com a boca aberta, olha fixamente para o local e nada diz.

- Será que é impossível conversar com as pessoas? – Pensa, com raiva.

Algo naquela comoção o atraía. Não conseguiu resistir.

- Vou até lá – cedendo à curiosidade.

Era um ônibus, atravessado sobre a faixa de pedestres. Tinha o pára-brisa quebrado e lataria amassada. Homens de branco, agachados, ao lado da roda dianteira, puxavam algo.

Ao retirarem o corpo, ele olhou, enquanto a multidão de cabeças se desviava, fechando olhos e franzindo testas.

Reconheceu aquele rosto e foi sugado por ele.

Sentiu o calor voltar a seus olhos.

- O semáforo estava verde, ele atravessou sem olhar... – Dizia o motorista.